4 de agosto de 2010

NEI LEANDRO DE CASTRO

                                                   OS INVEJOSOS DA ALDEIA



              Em certa aldeia, banhada por um belo e sereno rio, havia dois vizinhos que à noitinha punham suas cadeiras na calçada e, dia após dia, ano após ano, alimentavam conversas dessa natureza:
             - Imagina que o fulano comprou um carro novo. Não sei com que dinheiro, mas comprou.
             - Pior não é isso - dizia o outro. - Você sabia que sicrano, que nunca deu um prego numa barra de sabão, vai se aposentar com uma aposentadoria milionária?
             - Não! - resmungava o primeiro, espumando de raiva.
             - Isso não é para o nosso bico, compadre. É pra quem tem costas largas, pra quem nasce com as nádegas para a lua cheia.
             Sempre havia casos que davam margem a seus comentários. E se não havia, os vizinhos relembravam estórias de sucesso alheio e pessoas bem-sucedidas, que causavam a mesma indignação de quando narradas pela primeira vez. Diziam-se abandonados por Deus, sentiam-se injustiçados pela vida, pois se achavam mais merecedores de dinheiro e bens do que aqueles bafejados pela sorte. Sofriam amargamente com a ingratidão do destino.
            - Chego a pensar que Deus deu as costas para mim - dizia um.
            - Tenho certeza de que Ele jamais me olhou - completava o outro.
              E assim foram vivendo, alimentando-se de cobiça e inveja. Não eram amigos, eram parceiros do olho grande, do despeito, da vontade que tudo desse errado com os outros. Ao fim de cada conversa, iam para suas casas, contaminavam o ambiente do lar, recostavam suas mágoas em travesseiros cheios de bílis e tentavam conciliar o sono dos injustiçados.
             Com o tempo, as observações maldosas contra os seus conterrâneos foram substituídas por imprecações a Deus.
              - Que Deus é esse, que só favorece os vagabundos e abandona os seus filhos mais honestos? Quem ama os vagabundos boa bisca não é.
             - Minha aposentadoria é uma miséria. Mas a daquele cretino metido a besta é um tesouro.
              Será que Deus, onipresente, todo-poderoso, não vê uma injustiça dessas?
            - Desse jeito não tem crença que resista! – disse o que já andava pensando em abandonar a religião em que fora educado.
             Numa noite, quando a lua que havia surgido por trás dos morros derramava uma luz leitosa sobre a aldeia, um anjo apareceu aos dois vizinhos.
          - Suas preces e seus lamentos foram ouvidos - disse o anjo. - Fui enviado para realizar os seus desejos, mas com uma condição: aquilo que for concedido a um será dado em dobro ao outro.
          Passado o espanto inicial, um dos vizinhos começou a pensar: bom, eu gostaria de pedir uma mansão digna de Hollywood, com a mobília mais cara do mundo, mulheres lindas à minha disposição e um cofre imenso onde dólares e jóias se reproduzissem por si mesmos.
         Mas, concluiu, se eu pedir isso, ele vai ter duas vezes o que eu terei. Não é justo.
O outro vizinho também estava pensando: vou pedir um apartamento de cobertura em Miami, com vista para o mar, um exército de escravas brancas, uma frota de limusines e bilhões de dólares depositados em todos os paraísos fiscais. Mas parou espantado: e o outro terá tudo isso em dobro? Não pode.
               Depois de pensar por uns longos minutos, um deles disse:
              - Peça você primeiro.
              - Peça você, ora! Sabidinho, não é?
             - Eu peço e você ganha o dobro do que vou ganhar... Ta pensando que eu sou besta? Besta é coco!
             Começaram a discutir e em pouco tempo estavam trocando tapas e desaforos. O anjo esperou um pouco e resolveu dar um basta naquela história.
           - Bom, se nenhum dos dois fizer o pedido, eu vou-me embora.
           Os vizinhos deixaram a discussão de lado e um deles, cheio de ira e revolta, resolveu pedir:
           - Senhor, cega-me de um olho e paralisa uma de minhas pernas.
           Realizado o desejo, aquele que não fez o pedido ganhou o dobro da desgraça do outro.
             Baseada numa lenda judaica, essa história serve para nos lembrar que a inveja é um mal secreto que destrói a dignidade e corrói alma. O invejoso quer menos o seu próprio bem do que o infortúnio do outro. O invejoso nunca está satisfeito com a desgraça ou a bem-aventurança alheias. Quanto mais desgraça, maior o seu prazer. A bem-aventurança de outro, mesmo aquela conquistada com todos os méritos, é um golpe terrível no espírito invejoso. A inveja está presente na intriga dos grandes reinados e já fez rolar muitas cabeças coroadas.
            Está igualmente nos gabinetes da burocracia, onde fazer o mal, prejudicar, pôr empecilhos é uma meta executada com mórbido prazer.
A cobiça quer tudo, não importa por que meios. A cobiça não se contenta com os seus bens, ela quer os bens que não lhe pertencem. A cobiça conduz o ladrão pé-de-chinelo ao primeiro furto, leva o político a planejar falcatruas, desonra o magistrado, faz com que alguns empresários sonhem com um só paraíso: o fiscal.
            Inveja e cobiça convivem entre si, fazem o conluio do ódio, como os dois vizinhos em suas cadeiras na calçada, na paz da aldeia banhada por um rio belo e sereno.


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Nei Leandro de Castro, escritor e poeta potiguar, autor de diversos livros e reconhecido mundialmente. Adorei esta Crônica espero que vocês também gostem. Por favor deixe seu comentário. bjus

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