O Conselho Federal de Medicina (CFM) tem pronta uma
proposta para mudar os critérios que definem a morte encefálica. O projeto
mantém a necessidade de o laudo ser assinado por dois médicos, mas dispensa a
exigência de que um deles seja neurologista. Se aprovado, bastará que dois
profissionais, de qualquer especialidade, sejam reconhecidamente capazes de
fazer a declaração - e em um período menor de tempo. A medida ainda reduz o
intervalo entre os testes de seis para uma hora.
A proposta, já apresentada à Casa Civil, pretende
dar mais agilidade ao processo e, consequentemente, beneficiar o sistema de
captação de órgãos para transplante. “Em grandes centros, a oferta é maior. Mas
em cidades menores raros são os hospitais que têm neurologistas de plantão”,
afirma o diretor do Hospital do Rim e Hipertensão, José Osmar Medina.
A identificação da morte cerebral é o primeiro
passo para que o paciente possa tornar-se doador de órgãos. Quando há
concordância da família - após a confirmação da morte cerebral -, é iniciado
todo o processo, com a notificação da central de captação. Sem o neurologista
para atestá-la, mesmo que a família concorde, o processo não vai para frente.
A redução do tempo de espera entre a realização dos
dois exames clínicos é igualmente importante para resguardar órgãos com
potencial para transplante. Se os testes forem feitos mais rapidamente, a
chance de o paciente sofrer uma parada cardíaca diminui. Mas a mudança no tempo
só é indicada pelo CFM a pacientes adultos, que estejam em tratamento por pelo
menos seis horas.
“O Brasil é exageradamente cauteloso para
identificar a morte cerebral. A ideia é adotar um padrão igualmente seguro,
mais moderno e mais ágil”, afirma a médica intensivista Rosana Reis Nothen,
integrante da equipe de especialistas convocada pelo CFM para fazer a revisão
do protocolo.
Rosana avalia que as exigências atuais provocam uma
lentidão desnecessária ao processo. “O paciente com morte cerebral não tem
recuperação. Não há por que mantê-lo ocupando um leito de UTI, demandando
tratamento de profissionais altamente especializados se nada vai fazer com que
ele recupere a atividade cerebral”, avalia.
Para a médica intensivista, essa demora acaba
provocando problemas que transcendem a lista de espera de transplantes no
Brasil. “Vagas em UTIs são reduzidas, mesmo no sistema privado de saúde. Não
faz sentido manter ali um paciente que já está morto”, afirma Rosana.
Apoio. A proposta tem o apoio de neurologistas
ouvidos pela reportagem. Representantes da classe, porém, ressaltam a
necessidade de se oferecer capacitação aos médicos que dividirão a função após
a reforma na legislação. “O exame que é feito para detectar a morte também deve
ser bastante estruturado. Quem estiver treinado deve seguir todos os passos,
mas poderá fazê-lo sem problemas”, afirma Gisele Sampaio Silva, neurologista do
Hospital Albert Einstein. Segundo Gisele, o médico terá a segurança ainda do
exame complementar, que continuará obrigatório após os laudos clínicos. “No
Brasil, não temos notícia de discordância entre os testes”, diz.
Testes. A CFM ainda quer incorporar mais testes
para comprovar a inatividade do cérebro. Além do eletroencefalograma, poderiam
ser usadas tecnologias como arteriografias e Doppler transcraniano. Para
Rosana, o protocolo brasileiro está pelo menos 15 anos atrasado. O CFM, em
nota, informou que as regras ainda deverão ser debatidas no plenário do
colegiado. Isso, no entanto, somente será feito depois que a regulamentação da
lei de transplantes for alterada. “Sem uma mudança na norma, o médico poderia
ser questionado na Justiça”.
Fonte: estadao.com.br/
Lígia Formenti - Brasília,
Adriana Ferraz - São Paulo
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