4 de agosto de 2010

CATULLE MENDÈS

                                                          O RISO DA VELHINHA




                 Ria, ria, ria, ria, com os seus cabelos brancos sacudidos e, no sobressalto do riso, tilintavam as pulseiras nos seus braços trêmulos.
               Com effeito ainda não vi uma pessoa daquela idade mostrar um bom humor tão franco e persistente. Apenas despertada, que fizesse sol ou chovesse, ela começava a rir e ria ao almoço, a janela, no passeio e asseguraram-me que durante a noite, adormecida entre as brancuras dos lençóis, ria ainda.
               Naturalmente eu estava muitíssimo admirado de vê-la tão alegre na idade em que nos tortura a melancolia do fim da vida. De sorte que, um dia aproximei-me dela, que bem ria sentada à soleira da porta.
              - Deve-se crê, minha velhinha, disse-lhe, que a existência vos tenha sido bastante clemente e agradável, que há tanta alegria nos vossos lábios.
               Sacudiu os hombros.
               - Ah! não, não! caro senhor, respondeu-me ela com dobrado riso, a existência como, aliás, a todo o mundo, foi-me bem cruel, ao contrário. Moça, amei, mas quem eu adorava mentia, dizendo que me amava; ah! quanta lágrima chorei por causa de uma dupla traição, no dia em que elle se casou com a minha melhor amiga. Mulher, dediquei uma honesta e fiel ternura ao marido que me deram; mas o ingrato não se incomodava absolutamente commigo, empregando os dias com as suas ambições e as noites devoradas pelo jogo e pelos vis deboches. Quantas lágrimas por trás das vidraças, olhando as trevas espessas ou a havidez da lua, quando eu aguardava em vã, a sua volta. Então, presa ao mesmo tempo de uma raiva e de uma última esperança, deixei-me cair nos braços de um amante que me prometia perturbadores e eternos êxtases. Más, após ter-me ligeiramente apertado contra um coração indigno, afastou-se, sacudindo os hombros com indiferença. Quantos soluços, às tardes, dentro de um carro, diante da porta da casa onde vira entrar com uma outra mulher que eu odiava e que lamentava!
               - Pobre velhinha! tendes recordações que não são muito próprias para vez alegar a alma.
               - Na verdade, na verdade, meu bom senhor, disse-me rindo-se ainda mais, porque envelhecendo, compreendi que neste mundo onde só a morte é real e certa, é uma chimera acreditar-se na realização dos sonhos! No entanto, as alegrias sonhadas, mesmo que si as obtivssemos não valeriam tanto nos interdicta a felicidade - nem o soffrimento de esperá-las, nem o desgosto de as perder; e eu rio, caro senhor, rio de ter sido tola e tanto chorado.

____________
Crônica de Catulle Mendès (1841-1909), escritor francês, fundador da Revista Fantasista, em 1859, que lançou o parnasianismo e autor de romances de um erotismo torturado (As loucuras amorosas, 1877). Esta crônica, na qual mantemos a grafia original, foi publicada no ‘Diário do Natal’, Ano XVIII, nº 3.751, Natal-RN, edição de 28 de julho de 1909. E, recolhida por mim, no acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, em Natal. Deixe seu comentário. Ele é sempre importante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita!
Fique a vontade e volte quando quiser.
Deixe seu comentário no quadro abaixo.
Bjussss Rosélia Santos.