29 de janeiro de 2020

DOUTURA EM MATEMÁTICA REVELA QUE NÃO SABE DIVIDIR COM 3 DIGITOS NEM CALCULAR RAIZ QUADRADA




Clara Grima lembra o momento exato em que decidiu não apenas pesquisar e ser professora universitária de matemática, mas também se empenhar em divulgar conhecimento científico. Era 2011 seu filho, Ventura, que tinha 6 anos na época, perguntou-lhe qual era o símbolo em sua camisa: "Isso é uma mesa ou um gol de futebol?" Não era uma coisa nem outra. Era um número: pi. A conversa terminou com Ventura concluindo que "o infinito é uma invenção dos matemáticos para quando se cansam de contar". O bom da matemática é pensar, fazer algo que as máquinas não sabem fazer", diz Grima à BBC Mundo.
Desde então, a espanhola não apenas faz pesquisas, mas também escreve livros populares para crianças e adultos. Seu último livro, Que a matemática esteja com você! (2018, ainda não disponível no Brasil), mostra uma variedade de situações cotidianas em que é possível encontrar matemática, desde em vacinas até no Facebook. Antes do Hay Festival Cartagena 2020, festival que discute cultura e questões sociais, Grima conversou com a BBC Mundo, sobre matemática.

LEIA A ENTREVISTA!
BBC News Mundo - Em “Que a matemática esteja com você”! você diz (e prova) que a matemática é um jogo, que você só precisa "aprender as regras e jogar". Por que você acha que essa noção lúdica não é a mais difundida?

Clara Grima - Por mais que doa, devo admitir que a matemática ainda tem essa lenda, essa má reputação que não lhe pertence. Sou pesquisadora e professora universitária desde 1995 e comecei a fazer divulgação científica em 2011, quando graças aos meus filhos comecei a falar de matemática com crianças. Conheci crianças de 5 ou 6 anos que me diziam: "Eu não gosto de matemática". E eu sempre respondo a mesma coisa, digo: "Como você sabe se ainda não experimentou?" Então percebi que as crianças aprendem a odiar a matemática antes de estudá-la, porque está no ambiente, na sociedade. É uma coisa simpática você dizer que não domina a matemática. Celebridades da televisão dizem isso, também alguns youtubers. E isso vai pegando.

BBC News Mundo - Mas não é o seu caso: você sempre gostou de matemática e até diz que ela te "moldou".

Clara Grima - Sim, adoro matemática desde pequena. Para mim, era um jogo, era como um mistério. Lembro-me perfeitamente da primeira vez que resolvi uma equação do tipo x + 2 = 4. Lembro-me de gritar na sala de aula: "Que legal! Eu descobri uma coisa!" Mas a verdade é que eu queria ser filósofa porque também gosto de escrever. E foi justamente meu professor de filosofia que me disse para estudar matemática porque eu estava indo bem e porque conseguiria um emprego mais cedo. E ele estava absolutamente certo. A primeira coisa que a matemática me deu foi a cura da humildade: meu orgulho e meu ego foram arrastados pela lama de uma maneira cruel, porque não era tão boa quanto eu pensava. Então descobri a beleza da matemática e aprendi uma maneira diferente de ver o mundo pela qual eu me apaixonei. No nível pessoal, ao fazer minha tese de doutorado, descobri os grafos (ramo da matemática que estuda as relações entre os objetos de um determinado conjunto) e, pouco tempo depois, casei-me com meu orientador de tese. Então meus filhos nasceram e eles mesmos, com sua conversa, mudaram minha vida novamente e eu comecei a divulgação. Agora, dou palestras e escrevo livros, algo a que eu tinha renunciado ao virar matemática, mas que voltou de outra maneira. Não escrevo romances ou ensaios filosóficos, escrevo sobre matemática.

BBC News Mundo - Como pesquisadora, você trabalha na teoria dos grafos, algo que você acabou de mencionar e que aparece em muitos capítulos de Que a matemática esteja com você!. Você poderia explicar de uma maneira simples o que é um grafo?

Clara Grima - Um grafo é um objeto matemático composto de dois conjuntos de elementos: um são os pontos, que podem representar pessoas ou objetos, e o outro conjunto são listras ou linhas, que unem esses pontos dois a dois. Podemos usar o Facebook como exemplo. Cada um dos usuários seria um pequeno ponto e dois usuários que são nossos amigos no Facebook apareceriam unidos a nós por linhas finas. Isso nos daria um desenho: isso é um grafo. Nesse caso, é um grafo muito grande, porque o Facebook possui da ordem de 1,6 bilhões de usuários.

BBC News Mundo - No livro, você usa os grafos para explicar desde a série Game of Thrones até as campanhas de vacinação. Se é uma teoria tão útil, por que geralmente não é ensinada na educação básica?

Clara Grima - Eu me formei em matemática sem ter visto um grafo.
Mas quando comecei a fazer divulgação, muito rapidamente comecei a falar um pouco sobre grafos por dever profissional. E percebi que é uma ferramenta muito útil, que permite modelar problemas matemáticos de uma maneira muito eficiente e resolvê-los sem os cálculos tediosos que as crianças são forçadas a fazer o tempo todo. O que prevalece na solução de problemas usando grafos é instinto e lógica, não a capacidade de fazer cálculos que, francamente, são chatos e inúteis. A máquina faz melhor. Para mim, a máquina de lavar lava melhor, um carro vai a uma velocidade que nunca alcançarei e uma calculadora calcula muito mais rápido do que eu. Sou doutora em matemática e não sei dividir com três algarismos nem sei calcular uma raiz quadrada à mão. A beleza da matemática é pensar, é fazer algo que as máquinas não sabem fazer.

BBC News Mundo -Você também costuma usar o conceito de pessoa "anumérica". O que isso significa e que perigos isso implica?

Clara Grima - O termo "anumerismo" foi cunhado por Douglas Hofstadter e popularizado por John Allen Paulos com seu livro The Anumerical Man (O Homem Anumérico, em tradução livre) Significa um analfabetismo em conceitos básicos de matemática — não saber calcular uma porcentagem, não entender um gráfico —, algo que apresenta vários níveis de perigo. Por exemplo, na Espanha, é tradição comprar a loteria de Natal. Há pessoas na fila para comprar em um determinado lugar porque pensam que têm mais chances de ganhar lá. Esse é um caso claro de anumerismo que ocorre todos os anos neste país. Mas, ao fazer isso, você está, no máximo, perdendo seu tempo, isso não afeta sua vida. Mas se eles enganam você no banco com um produto financeiro, a coisa já se torna mais séria.

BBC News Mundo - E o que dizer da "miragem da maioria" e como isso piorou com as redes sociais?

Clara Grima - É uma maneira um pouco mais complexa de ser anumérico.
É o que eles chamam de "bolha", que acontece quando você está em um determinado grupo social, que pode ser real ou virtual. O que acontece é que agora as redes sociais têm o poder de transmitir notícias falsas ou fraudes muito grandes. O problema é que é muito difícil sair desse anumerismo e isso afeta a todos nós. Deixar a bolha de informações é um esforço pessoal que precisamos fazer. E então, por outro lado, o que isso nos ensina é que precisamos ser empáticos. É muito fácil dizer que um grupo ao qual você não pertence toma decisões estúpidas. Mas eles podem não ver as coisas da mesma forma porque são afetados por essa miragem. É por isso que a melhor maneira de tirar uma pessoa de sua bolha é com dados e empatia.

BBC News Mundo - Qual é a pergunta matemática que as crianças mais fazem?

Clara Grima - Quando digo que sou pesquisadora de matemática, eles me dizem: "Mas o que você precisa descobrir? Se já sabemos que 2 + 2 é 4". Bem, muitas coisas, porque a matemática vai além da aritmética.
Toda descoberta feita é como uma porta que se abre e o que está atrás dela é um corredor enorme, quase infinito, cheio de portas fechadas, que devem ser reabertas, porque o conhecimento se expande.

BBC News Mundo - Isso significa que, no debate sobre se a matemática é descoberta ou inventada, você apoia a primeira opção?

Clara Grima -Eu acho que é meio a meio. Há uma parte da matemática que é evidentemente o resultado da abstração da mente humana e que é inventada.
Por exemplo, pegamos números, gráficos ou funções, que são os objetos com os quais vamos jogar e inventamos as regras do jogo, que podem ser como são formados, como se multiplicam, como se dividem... Então, a partir dessas regras e do jogo, descobrimos quais propriedades elas têm. E há uma parte da matemática que descobrimos olhando a natureza. Antes, se pensava que a única geometria existente era a geometria euclidiana, onde duas linhas paralelas nunca serão cortadas. Bem, um dia alguém pensou: "Vamos inventar uma geometria que não seja assim, onde linhas paralelas, no final, se encontram".
Na época, isso parecia ser uma abstração da mente e uma matemática inventada, mas aí vem (Albert) Einstein e explica o espaço-tempo, e o universo dá razão: era uma matemática que estava oculta. Em 2018, eu fazia parte de um grupo de pesquisa que descobriu uma forma geométrica que não havia sido vista, chamada de escutoide, e que teve um impacto brutal. Foi uma colaboração com biólogos celulares, que nos ligaram porque queriam saber como descrever o formato das células epiteliais, que são os tecidos que cobrem todos os nossos órgãos. Quando começamos a descrever a forma geométrica, percebemos que era uma forma que não existia. Posso inventar uma forma geométrica, mas esta não foi inventada, foi descoberta através da observação das células epiteliais, era uma forma que se repete em todas elas. Muitas vezes inventamos a matemática, mas outras vezes ela é descoberta olhando o universo. Ou, nesse caso em particular, olhando as glândulas salivares da mosca, que é algo menos romântico.

msn.com

1 de janeiro de 2020

E SE… JESUS NÃO TIVESSE NASCIDO



Jesus, em sua época, não foi o único a ser chamado de Messias. Entre os judeus, o Messias era o líder profetizado que os libertaria da dominação estrangeira, dando início a uma nova era. Mas Jesus foi o único que transformou esse conceito do judaísmo em uma ideia de libertação espiritual, mais complexa.
Após a crucificação, seus discípulos passaram a pregar ativamente para não judeus, com um sucesso ímpar. Sem Jesus, obviamente, não existiria cristianismo, nem nada parecido. E sem cristianismo a Europa acabaria dividida em vários segmentos religiosos.
O Império Romano daria origem a dois deles. Os descendentes da parte ocidental do Império, a que tinha sede em Roma, são os países latinos, que foram conquistados por germânicos, mas mantiveram sua identidade na forma da língua. O português, o espanhol, o francês e o italiano nasceram de dialetos do latim puro.
Nesse pedaço do império, ali pelo século 2, havia uma religião em ascensão, que substituía o culto ao panteão greco-romano. O nome dela era mitraísmo – uma versão bastardizada do zoroastrismo, que celebrava o deus persa Mitra e o deus romano Sol (a personificação do Sol) como uma única figura. 25 de dezembro era o dia de Sol Invictus, uma comemoração do solstício de inverno no Hemisfério Norte.
O solstício é a noite mais longa do ano. Dali em diante os dias ficam mais compridos. É o Sol vencendo a escuridão de novo. A data era comemorada com banquetes pelos mitraístas. Não só por eles: todas as culturas do Hemisfério Norte têm alguma celebração de solstício de inverno.
Bom, o mitraísmo não era popular na parte oriental do Império, aquela com sede em Constantinopla (atual Istambul) e a que sobreviveu à queda de Roma com o nome de Império Bizantino.
Essa foi a parte que mais se cristianizou, ainda que o cristianismo continuasse a ser bem minoritário quando o imperador Constantino 1o se converteu, no século 4, levando a uma explosão de conversões nas décadas seguintes. Sem cristianismo, os deuses do Olimpo perdurariam nas regiões onde hoje prevalece a Igreja Ortodoxa, filha dos bizantinos.
As outras civilizações europeias seriam os germânicos que não se latinizaram, no centro e norte da Europa, os celtas, que se mantiveram nas ilhas britânicas e na Bretanha francesa, e os eslavos, a leste e sul, só para ficar nos maiores. Essas civilizações todas trocariam suas figurinhas, como foi no cristianismo. Mas a situação seria mais instável e hostil, e essas trocas, sem uma língua franca e o estudo institucional estabelecidos pela Igreja, seriam mais modestas.
No fim, dessas partes todas, a única realmente “ocidental”, capaz de preservar o conhecimento da Antiguidade, seria o oriental Império Bizantino.
Quanto ao resto do mundo, a influência maior de todas seria uma ausência: o Islã. Maomé fundou uma terceira religião abraâmica porque acreditava que tanto o judaísmo como o cristianismo teriam sido “corrompidos” em sua mensagem original. O Islã, então, surgiu no século 7 como uma espécie de amálgama, juntando a lei mais estrita do judaísmo com o poder de arrebanhar fiéis do cristianismo. Imbuídos de uma nova fé, os islâmicos rapidamente conquistaram territórios a leste e oeste, acabando com o Império Persa, chegando até a Península Ibérica em um século, e enfraquecendo imensamente o Império Bizantino. Sem Islã nem cristianismo, não haveria Cruzadas. Sem Cruzadas, não haveria o gosto adquirido por especiarias pelos cavaleiros que voltaram para casa, iniciando o comércio muito lucrativo que moveria a história. E o Império Bizantino teria sobrevivido.
Na vida real, a queda de Constantinopla, em 1453, levou ao domínio monopolista otomano das rotas de especiarias, e os otomanos, que eram islâmicos, jogaram os preços nas alturas, motivando espanhóis e portugueses a buscar outras rotas. Sem Islã e sem queda de Constantinopla, não haveria motivo para as grandes navegações. Alguém chegaria à América uma hora, mas os europeus não são os mais prováveis candidatos.
Os escandinavos de fato descobriram a América por volta do ano 1000, mas foram expelidos facilmente pelos nativos. Com a Europa fora da corrida, a Pérsia, a Índia ou a China colonizariam a América. Talvez o Brasil abraçasse o hinduísmo – e o Natal daqui seria o Pancha Ganpati, um feriado do hinduísmo dedicado a Ganesha, o deus-elefante, e ao solstício de inverno.
Ainda seria má notícia para as populações nativas, mesmo sem o ímpeto da conversão: os asiáticos gostavam de ouro tanto quanto os europeus.  
Em resumo, sem o cristianismo a Europa quase certamente não atingiria a dominância que atingiu. Deixados em paz, os iranianos – nome como os persas chamavam a si próprios – seriam outra civilização potente, assim como a Índia, que também enfrentou muitas guerras e conquistas dos islâmicos.
Os iranianos, inclusive, haviam preservado bastante o conhecimento dos gregos, o que permitiu a Era de Ouro do Islã quando foram conquistados. Mas não há garantia nenhuma que isso levasse a um Iluminismo ou a uma Revolução Industrial asiática ou bizantina. Eram todas civilizações avançadas, mas nenhuma desenvolveu espontaneamente a ascensão da burguesia industrial contra a nobreza proprietária de terras – e foi isso que moveu uma mudança radical, tanto na produção como no pensamento, sempre sob influência europeia.

Por Alexandre Versignassi
Fonte: Superinteressante