Jesus, em sua época, não foi o
único a ser chamado de Messias. Entre os judeus, o Messias era o líder
profetizado que os libertaria da dominação estrangeira, dando início a uma nova
era. Mas Jesus foi o único que transformou esse conceito do judaísmo em uma
ideia de libertação espiritual, mais complexa.
Após
a crucificação, seus discípulos passaram a pregar ativamente para não judeus,
com um sucesso ímpar. Sem Jesus, obviamente, não existiria cristianismo, nem
nada parecido. E sem cristianismo a Europa acabaria dividida em vários
segmentos religiosos.
O Império Romano daria origem a
dois deles. Os descendentes da parte ocidental do Império, a que tinha sede em
Roma, são os países latinos, que foram conquistados por germânicos, mas
mantiveram sua identidade na forma da língua. O português, o espanhol, o
francês e o italiano nasceram de dialetos do latim puro.
Nesse
pedaço do império, ali pelo século 2, havia uma religião em ascensão, que
substituía o culto ao panteão greco-romano. O nome dela era mitraísmo – uma
versão bastardizada do zoroastrismo, que celebrava o deus persa Mitra e o deus
romano Sol (a personificação do Sol) como uma única figura. 25 de dezembro era
o dia de Sol Invictus, uma comemoração do solstício de inverno no Hemisfério
Norte.
O solstício é a noite mais longa do ano. Dali em diante os dias ficam mais
compridos. É o Sol vencendo a escuridão de novo. A data era comemorada com
banquetes pelos mitraístas. Não só por eles: todas as culturas do Hemisfério
Norte têm alguma celebração de solstício de inverno.
Bom,
o mitraísmo não era popular na parte oriental do Império, aquela com sede em
Constantinopla (atual Istambul) e a que sobreviveu à queda de Roma com o nome
de Império Bizantino.
Essa
foi a parte que mais se cristianizou, ainda que o cristianismo continuasse a
ser bem minoritário quando o imperador Constantino 1o se converteu, no século 4, levando a uma explosão de
conversões nas décadas seguintes. Sem cristianismo, os deuses do Olimpo
perdurariam nas regiões onde hoje prevalece a Igreja Ortodoxa, filha dos
bizantinos.
As
outras civilizações europeias seriam os germânicos que não se latinizaram, no
centro e norte da Europa, os celtas, que se mantiveram nas ilhas britânicas e
na Bretanha francesa, e os eslavos, a leste e sul, só para ficar nos maiores.
Essas civilizações todas trocariam suas figurinhas, como foi no cristianismo.
Mas a situação seria mais instável e hostil, e essas trocas, sem uma língua
franca e o estudo institucional estabelecidos pela Igreja, seriam mais modestas.
No
fim, dessas partes todas, a única realmente “ocidental”, capaz de preservar o
conhecimento da Antiguidade, seria o oriental Império Bizantino.
Quanto
ao resto do mundo, a influência maior de todas seria uma ausência: o Islã.
Maomé fundou uma terceira religião abraâmica porque acreditava que tanto o
judaísmo como o cristianismo teriam sido “corrompidos” em sua mensagem
original. O Islã, então, surgiu no século 7 como uma espécie de amálgama,
juntando a lei mais estrita do judaísmo com o poder de arrebanhar fiéis do
cristianismo. Imbuídos de uma nova fé, os islâmicos rapidamente conquistaram
territórios a leste e oeste, acabando com o Império Persa, chegando até a
Península Ibérica em um século, e enfraquecendo imensamente o Império
Bizantino. Sem Islã nem cristianismo, não haveria Cruzadas. Sem Cruzadas, não
haveria o gosto adquirido por especiarias pelos cavaleiros que voltaram para
casa, iniciando o comércio muito lucrativo que moveria a história. E o Império
Bizantino teria sobrevivido.
Na
vida real, a queda de Constantinopla, em 1453, levou ao domínio monopolista
otomano das rotas de especiarias, e os otomanos, que eram islâmicos, jogaram os
preços nas alturas, motivando espanhóis e portugueses a buscar outras rotas.
Sem Islã e sem queda de Constantinopla, não haveria motivo para as grandes
navegações. Alguém chegaria à América uma hora, mas os europeus não são os mais
prováveis candidatos.
Os
escandinavos de fato descobriram a América por volta do ano 1000, mas foram
expelidos facilmente pelos nativos. Com a Europa fora da corrida, a Pérsia, a
Índia ou a China colonizariam a América. Talvez o Brasil abraçasse o hinduísmo
– e o Natal daqui seria o Pancha Ganpati, um feriado do hinduísmo dedicado a
Ganesha, o deus-elefante, e ao solstício de inverno.
Ainda
seria má notícia para as populações nativas, mesmo sem o ímpeto da conversão:
os asiáticos gostavam de ouro tanto quanto os europeus.
Em
resumo, sem o cristianismo a Europa quase certamente não atingiria a dominância
que atingiu. Deixados em paz, os iranianos – nome como os persas chamavam a si
próprios – seriam outra civilização potente, assim como a Índia, que também
enfrentou muitas guerras e conquistas dos islâmicos.
Os
iranianos, inclusive, haviam preservado bastante o conhecimento dos gregos, o
que permitiu a Era de Ouro do Islã quando foram conquistados. Mas não há
garantia nenhuma que isso levasse a um Iluminismo ou a uma Revolução Industrial
asiática ou bizantina. Eram todas civilizações avançadas, mas nenhuma
desenvolveu espontaneamente a ascensão da burguesia industrial contra a nobreza
proprietária de terras – e foi isso que moveu uma mudança radical, tanto na
produção como no pensamento, sempre sob influência europeia.
Por Alexandre
Versignassi
Fonte: Superinteressante
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