12 de setembro de 2010

DIREITO DE SONHAR

EDUARDO GALEANO
               Sonhar não faz parte dos trinta direitos humanos que as Nações Unidas proclamaram no final de 1948. Mas, se não fosse por causa do direito de sonhar e pela água que dele jorra, a maior parte dos direitos morreria de sede.
               Deliremos, pois, por um instante. O mundo, que hoje está de pernas para o ar, vai ter de novo os pés no chão.
               Nas ruas e avenidas, carros vão ser atropelados por cachorros.
               O ar será puro, sem o veneno dos canos de descarga, e vai existir apenas a contaminação que emana dos medos humanos e das humanas paixões.
               O povo não será guiado pelos carros, nem programado pelo computador, nem comprado pelo supermercado, nem visto pela TV.
               A TV vai deixar de ser o mais importante membro da família, para ser tratada como um ferro de passar, ou uma máquina de lavar roupas.
               Vamos trabalhar para viver, em vez de viver para trabalhar.
               Em nenhum país do mundo os jovens vão ser presos por contestar o serviço militar. Serão encarcerados apenas os que quiserem se alistar.
              Os economistas não chamarão de nível de vida o nível de consumo, nem de qualidade de vida a quantidade de coisas.
              Os cozinheiros não vão mais acreditar que as lagostas gostam de ser servidas vivas.
              Os historiadores não vão mais acreditar que os países gostem de ser invadidos.
              Os políticos não vão mais acreditar que os pobres gostem de encher a barriga de promessas.
              O mundo não vai estar mais em guerra contra os pobres, mas contra a pobreza. E a indústria militar não vai ter outra saída senão declarar falência, para sempre.
              Ninguém vai morrer de fome, porque não haverá ninguém morrendo de indigestão.
              Os meninos de rua não vão ser tratados como se fossem lixo, porque não vão existir meninos de rua.
              Os meninos ricos não vão ser tratados como se fossem dinheiro, porque não vão existir meninos ricos.
              A educação não vai ser um privilégio de quem pode pagar por ela.
              A polícia não vai ser a maldição de quem não pode comprá-la.
              Justiça e liberdade, gêmeas siamesas condenadas a viver separadas, vão estar de novo unidas, bem juntinhas, ombro a ombro.



Eduardo Hughes Galeano nasceu em Montevidéu em 3 de setembro de 1940. Vindo de uma família católica de classe média de descendência eupéia, é jornalista e escritor, autor de mais de quarenta livros todos traduzidos em vários idiomas. Suas obras transcendem gêneros ortodoxos, combinando ficção, jornalismo, análise política e história.

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