25 de outubro de 2010

O PRIMEIRO CHARUTO NO CAICÓ


O sertanejo, antigamente, apesar da simplicidade da vida do campo, quase nada ficava a dever aos outros povos no tocante aos hábitos de boa sociedade. Famílias havia que se tratavam até com certo luxo.
Naqueles tempos era costume todos os fazendeiros abastados irem anualmente ao Recife fazer compras, de modo que daquela cidade traziam sempre as últimas novidades do vestuário.
As festas que se celebravam todos os anos, no Caicó, no mês de julho e no Acari, em dezembro, eram muito concorridas e notadas pelo luxo e riqueza de trajes dos sertanejos.
Em outras coisas, porém, os nossos antigos eram um pouco descuidados: a habitação e a mesa.
As casas tinham pouco conforto, e o passadio, muito substancial, era simples e servido sem o gosto e o requinte das sociedades cultas, apesar de serem comuns em algumas casas as baixelas de prata.
O padre Guerra, tendo sido eleito deputado geral em 1833, quando voltou do Rio de Janeiro, no ano seguinte, trouxe excelente mobília de jacarandá, um rico aparelho de jantar, copeiros adestrados nos costumes da corte, e preparou a sua casa no Caicó, com certo luxo e bom-gosto.
Entre as novidades que o padre Guerra introduziu na sociedade caicoense, não foi menor a do charuto, que até então nem talvez de nome fosse conhecido.
Conta-se que, à volta do padre Guerra do Rio de Janeiro, foram visitá-lo dois amigos, cujos nomes a tradição não conservou.
O padre mandou servir-lhes o almoço e, no fim da refeição, depois de atacados, com a força de estômagos sertanejos, a carne assada, a galinha torrada, o queijo e outros quitutes da cozinha de um vigário rico que sabia tratar-se, o criado carioca apresentou aos hóspedes, numa rica salva de prata, dois magníficos charutos.
Os pobres matutos ficaram em dificuldades, porque desconheciam o manjar que, por apresentarem em bandeja de prata, não podia deixar de ser uma das iguarias finas do Rio de Janeiro. Convencidos de que se tratava de uma comedoria, foram com o charuto ao dente, porém não lhes soube bem o gosto. Recorreram, então, ao expediente de cortá-lo miúdo e comê-lo com farinha seca.
Assim repletos com tão saborosa sobremesa, voltaram à sala de visitas, onde o padre, obsequioso, perguntou-lhes:
— Então, compadres, almoçaram bem?
— Muito bem, respondeu um deles, mas aquele doce seco que nos deram no fim era amargo demais. Só com farinha seca pudemos tragá-lo.
Conhecida a natureza do doce, o padre riu gostosamente da forma pela qual seus amigos saborearam o precioso baiano, e ainda hoje se relembra naquelas paragens o que bem se poderia denominar — a história do primeiro charuto no Caicó.

Caicó é uma cidade que fica no Estado do Rio Grande do Norte. Aproximadamente 280Km da capital Natal.

Retirado do Livro Patronos e Acadêmicos (Volume I), de Veríssimo de Melo

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